Zabé da Loca (século XX)

Isabel Marques da Silva, natural da região agreste de Buíque (PE), conhecida como Zabé da Loca aprendeu a tocar o pífano – ou pífio, como ela chama o instrumento de origem indígena parecido com uma flauta -, com um irmão, aos sete anos de idade. De origem humilde e analfabeta recorda com saudade dos irmãos e irmãs que auxiliavam ao pai na roça-sobreviventes, dentre outros que morreram de sede, doenças ou fome – enquanto a mais velha das mulheres auxiliava a mãe nos serviços de casa. Música e instrumentos só a noite, após o regresso do trabalho.
Jovem rumou para o Cariri, no sertão da Paraíba, onde se casou e teve dois filhos. Em 1966, mesmo ano em que perdeu o marido e também a casa onde morava – que ruiu e veio abaixo-, mudou-se com a família para uma loca – gruta ou caverna de pedra na linguagem regional -, entre duas pedras na Serra do Tungão, em Monteiro, localizado a cerca de 320 quilômetros da capital João Pessoa (PB), na qual permaneceu por 25 anos. Daí o "sobrenome" que ganhou dos moradores: Zabé da Loca.
Descoberta em 1994, pela ação da Coordenação de Ação Cultural da Secretaria de Reordenamento Agrário, entidade que em parceria com a Fundação Quinteto Violado identifica manifestações culturais na área do semi-árido nordestino, Zabé da Loca, em 1995, aos 71 anos gravou seu primeiro disco, que com edição limitada, nem sequer chegou às lojas.
Consagrada como a grande atração do Festival de Brincantes, realizado em Recife (PE), em 2003, teve a oportunidade de gravar seu primeiro CD, aos 79 anos, reunindo cirandas, xotes, cocos e baiões. Em 2004, apresentou-se com seu grupo na capital do país e acompanhou o músico Carlos Malta, em duas apresentações no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília (DF). Contudo, isso não foi tudo, afinal, no mesmo ano, Zabé participou com Hermeto Paschoal do Fórum Mundial de Cultura realizado em São Paulo (SP) e recebeu o título Mestres das Artes da Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Paraíba. No ano de 2005 faixas de seu disco foram selecionadas e incluídas em Nordeste Atômico, disco lançado no Japão.
A banda de Zabé da Loca, por ela regida e composta por dois pífanos, um tarol, um prato e uma zabumba, já não tem mais a formação original. Seu filho e sobrinho, que a acompanharam desde o inicio faleceram e foram substituídos por outros parentes e também músicos de fora. Contudo, a preocupação com a preservação e divulgação do cancioneiro popular paraibano permanece atual, como nos tempos em que a banda se apresentava gratuitamente em festas na região.
Reconhecimento nacional, título de Cidadã Paraibana (2003) e o Prêmio Mulher Forte Ana Maia (2003), dentre outras homenagens, não alteraram a simplicidade e as características humildes da mulher que, trabalhadora rural nordestina e pobre, enfrentou várias adversidades ao longo da vida. Tanto assim que, embora, desde 2002, Zabé da Loca tenha se mudado para uma casa construída pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária- Incra, no assentamento Santa Catarina, uma vez por semana se refugia na loca- situada a cerca de dez minutos de sua casa de alvenaria -, para pensar e matar saudades, como ela mesmo destaca.
Aos 83 anos, em 2007, gravou Bom Todo. O título do álbum é a forma como Zabé da Loca se refere a algo ou a alguma coisa que considere maravilhosa e apenas mais um, dos muitos discos que a rainha do pífano ainda pretende fazer.

 

Zezé Gonzaga (1926 – 2008)

Maria José Gonzaga, mineira da cidade de Além Paraíba, nascida em 1926, tinha a música no sangue, afinal era neta de maestro, filha de flautista (Oraide) e de fabricante de instrumentos de corda (Rodolpho). Desde criança, portanto, ouvia e respirava música. Em sua casa o violão, bandolim e o cavaquinho eram presenças constantes e cedo começou a estudar canto, piano e leitura musical.
De família humilde, graças a uma bolsa de estudos, trocada por pequenos serviços prestados pelo pai, pode concluir os estudos em Porto Novo, cidade vizinha a sua. Nessa localidade, aos doze anos fez sua primeira apresentação, cantando Neusa, de Antônio Caldas, pai de Sílvio Caldas que se tornaria sucesso mais tarde.
A grande oportunidade da vida de Zezé Gonzaga, como ficou conhecida, ocorreu em uma viagem de férias no Rio de Janeiro. Acabou convencida a participar do programa de calouros de Ary Barroso, acompanhada pelo pai, músico, e em dupla na flauta com a mãe. Obteve a nota máxima tendo direito a participar novamente do programa. Contudo, aos 16 anos (1942) precisou retornar para concluir os estudos. Nessa ocasião, em Porto Novo, costumava dar "canjas" em um Clube de Jazz o que lhe fez enfrentar na escola, ao lado da discriminação racial, também àquela à época destinada às mulheres artistas. Ao voltar ao Rio de Janeiro um ano depois, o programa havia acabado.
Partiu então, em 1945, para o programa de calouros da Rádio Clube do Brasil, onde se inscreveu com o pseudônimo de Daisy Barbosa, para não ser reconhecida, segundo revelaria tempos depois. Acabou como primeira colocada – dentre 92 candidatos/as, – e com um contrato para apresentar-se durante quinze minutos as terças e quintas-feiras. Zezé que chegou a pensar na carreira lírica, por questões econômicas acabou optando pela música popular – era o que tocavam as rádios – centrando seu repertório nas quatro cantoras a quem mais admirava: Isaurinha Garcia, Dircinha Batista, Aracy de Almeida e Odete Amaral. Um repertório próprio só aconteceria tempos depois ao conhecer o compositor Valzinho.
Vez por outra se apresentava nas Rádios do Ministério da Educação e do Jornal do Brasil.
Da amizade com Odaléia Sodré, na Rádio Clube resultou a criação da dupla Moreninhas do Ritmo. Quatro anos depois, em 1949, levada por Paulo Tapajós para a Rádio Nacional, a mais importante emissora de então, ao lado de Odaléia e Bidu Reis formou o trio As Moreninhas.
Na década de 1960, ocasião em que a bossa nova e o tropicalismo passaram a ocupar as rádios, Zezé abriu uma agência de jingles, atuando como cantora e compositora, resultado de sua experiência com discos de músicas infantis gravados nos anos 50. O mais famoso trabalho da agência foi a abertura do Projeto Minerva, apresentado pela Rádio MEC para todo o país.
Em 1976, aos 45 anos, partiu para Curitiba (PR) e com Maria da Penha, sua filha adotiva, assumiu a creche que instalaram na cidade. Sorte das crianças que podiam ouvir Zezé com exclusividade. A cantora, que nunca se casou foi noiva por duas vezes. A culpa pela "solteirice", como gostava de frisar, era pelo fato de que só lhe apareceram pretendentes mais novos. O falecimento de Maria da Penha em 1999 foi um grande baque em sua vida.
Seu retorno ao Rio de Janeiro e aos discos- o primeiro foi em 1956-, ocorreu em 1979, após uma proposta do músico Hermínio Bello de Carvalho. O LP com músicas do velho amigo Valzinho, acompanhadas por Radamés Gnatalli foi um sucesso e a colocou novamente no circuito dos shows musicais. Na década de 1980 realizou algumas apresentações pelo Brasil, com o grupo Cantoras do Rádio, mesmo nome do disco que gravou em grupo ao lado de Ellen de Lima, Carmélia Alves, Nora Ney, Rosita Gonzales e Violeta Cavalcanti. Individualmente, apresentou-se em projetos no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro e em teatro pequenos no interior do país. Em 2002, com a cantora Jane Duboc gravou o CD Clássicos e realizou apresentações no Paço Imperial, no Rio de Janeiro.
Respeitada pela crítica, querida e prestigiada pelos/as fãs, Zezé que recebeu em 1956, um disco de ouro pela recriação do samba Ai, Ioiô (Linda Flor), foi homenageada em 2008, as vésperas de completar oitenta anos, pela Escola Portátil de Música, na UNIRIO, com o Diploma de Mestra Honorária da Canção Brasileira.

 

Rosinha de Valença (1941 – 2004)

Um dos mais respeitados nomes femininos da música brasileira, Maria Rosa Canellas, nascida em Valença, município do Estado do Rio de Janeiro, ganhou de Stanislaw Ponte Preta- o jornalista Sérgio Porto- o nome artístico de Rosinha de Valença. Ponte Preta costumava dizer que Valença era mais que uma homenagem ao seu local de nascimento, e sim um direito, já que ela cantava por toda uma cidade.
A paixão pela música começou ainda criança, ao mostrar interesse pelo violão utilizado pelo irmão Roberto, nos ensaios de um conjunto regional. Se do irmão recebeu os primeiros incentivos, do tio, seresteiro, conhecido como Fio da Mulata recebeu as primeiras noções sobre o instrumento. Desde então, autodidata e sozinha, a partir das melodias que escutava pelo rádio, aos 12 anos, aliando interesse e talento, já se apresentava na rádio da região e animava festas e bailes.
Opção nada fácil para uma mulher-ainda mais nascida em uma cidade do interior-, em 1963, aos 22 anos, abandonou os estudos e transferiu-se para a cidade do Rio de Janeiro. Os preconceitos-e a indiferença de seus conterrâneos/as-, não tardaram a aparecer e Rosinha precisou ser bastante persistente para enfrentá-los, o que fez sempre com muita determinação e competência profissional. O apoio da família destacava Rosinha, foi fundamental nessa época.
Nesse mesmo ano em que chegou ao Rio de Janeiro e foi "batizada" por Stanislaw, gravou seu primeiro disco e passou a trabalhar com Baden Powell. Três anos depois viajou pelos Estados Unidos com o grupo Brasil 65, de Sérgio Mendes. Também vários países da Europa renderam-se ao talento de Rosinha, solista de um grupo criado pelo Itamaraty para divulgar a música popular brasileira no exterior. O retorno ao Brasil aconteceu em 1970, após apresentações na URSS, Israel e países africanos.
No Brasil, em meados da década de 1970 era uma celebridade, reconhecida em ruas
e praia. Profissionalmente acompanhou e produziu discos de Martinho da Vila, Nara Leão, Maria Bethânia e Miúcha, dentre muitos outros, além de haver tocado com grandes nomes da música internacional, como a cantora de jazz Sarah Vaughn e o saxofonista Stan Getz.
Em 1974 a banda que organizou, experimentou grande sucesso e, em diferentes formações contou com a participação do pianista João Donato, o flautista Copinha e as cantoras Ivone Lara e Miúcha. Nesse mesmo ano, como reconhecimento por sua brilhante atuação, foi premiada pela Ordem dos Músicos do Brasil. Além do Brasil seus discos foram lançados, por diferentes gravadoras, nos USA, Alemanha e França.
Mulher de fibra, não por mera coincidência era fã das histórias em quadrinho da Luluzinha- personagem criado em 1945 pela americana Marjorie Buell-, uma menina ousada e desafiadora das atitudes de dominação de seus colegas do sexo masculino, como lembrou certa vez seu grande amigo, o músico Turíbio Santos. Com ele Rosinha morou em Paris, de 1988 até 1992, quando em férias no Rio de Janeiro, sofreu uma parada cardíaca que resultou em morte cerebral e foi levada para sua Valença.
O movimento dos olhos foi, a partir de então, a única ação realizada por Rosinha durante os 12 anos em que permaneceu em estado vegetativo, completamente dependente e cuidada pelas irmãs: Maria Geracina, a Mariló e, após o falecimento desta, por Maria das Graças.
Morando em um quarto construído nos fundos da casa da irmã, em um bairro humilde da cidade- no qual um bandolim e um violão, ao lado da cama, lhe faziam companhia-, a família Canella enfrentou ainda, dificuldades financeiras. Duas enfermeiras pagas pela prefeitura de Valença colaboravam no acompanhamento de Rosinha, contudo, era de responsabilidade da família uma terceira, que substituía folgas, além de medicamentos, alimentação, fraldas e plano de saúde.
Contudo, apesar do sofrimento que sempre sentiu ao ver Rosinha em estado de coma, das Graças revelou a um jornal, que a família jamais cogitou optar pela eutanásia, apesar da autorização judicial concedida. Para alguns amigos/as sempre houve dúvidas, se ela compreendia ou não, o que se passava ao redor. Há quem se lembre de haver reparado algumas vezes, lágrimas que lhe escorriam pelo rosto. A família ressentia-se ainda da solidão a que foi relegada Rosinha, que recebia raras visitas.
Dois anos após entrar em coma, um grupo de artistas realizou na casa noturna Canecão, no Rio de Janeiro, um show beneficente para ajudar com as despesas e manter viva a memória da artista. A primeira de algumas apresentações e campanhas realizadas ao longo dos anos.
Enterrada sem a presença de nenhum artista famoso/a, aos 62 anos, Rosinha a mulher que deixou por onde andou sua emoção e talento, finalmente descansou. Libertou-se, assim, da imobilidade de movimentos, sobretudo das mãos, que a ajudaram a construir sua trajetória de vida e a escrever- no feminino-, a história da música brasileira.

 

Ruth Cardoso (1930 – 2008)

Embora tenha ocupado durante oito anos o cargo de “Primeira Dama” do país, a trajetória de vida de Ruth Villaça Corrêa Leite, mais tarde conhecida como Ruth Cardoso, destaca-se pela produção intelectual na área de gênero, pluralidade cultural e diversidade sexual, por sua inserção no movimento de mulheres e pela preocupação com o não-assistencialismo, característica que imprimiu ao programa Comunidade Solidária, por ela criado e coordenado no período 1995/2002, articulando uma eficaz parceria entre governos, empresários, universidades e sociedade civil.

O reconhecimento internacional ao programa, que alfabetizou cerca de três milhões de jovens e capacitou outros 114 mil para o trabalho, além de haver estimulado a organização de mulheres artesãs, na área de cooperativas de produção, ocorreu em 2000, quando Ruth Cardoso recebeu a medalha Eleanor-Roosevelt Val-Kill, oferecida pelo governo americano a personalidades que se destacam em trabalhos nas áreas sociais. Dois anos antes (1998), contudo, Ruth Cardoso já havia recebido uma comenda das Nações Unidas por sua atuação na área social.

Paulista de Araraquara (SP), cidade conhecida como morada do sol e com a qual manteve forte laço afetivo por toda a vida, Ruth, filha de dona Mariquita- como era carinhosamente conhecida sua mãe, Maria Villaça -, professora de química e biologia e, de José Corrêa Leite, contador, iniciou a trajetória acadêmica – que a faria respeitada internacionalmente anos mais tarde, – no Grupo Escolar Antônio José de Carvalho, concluindo o curso ginasial aos 15 anos, no Araraquara College.

Em um contexto social no qual era pouco comum que meninas, sobretudo filhas únicas – e esse era o caso de Ruth-, saíssem das amarras da família, partiu para a capital, São Paulo, estimulada pelos pais, com o objetivo de prosseguir os estudos. Junto com a saudade levou na bagagem, a poesia de Verlaine e Antero de Quental acompanhadas de obras do velho Karl Marx e do casal Simone de Beauvoir e Sartre. Aliás, o mesmo casal que anos mais tarde- começo dos anos 60- receberia em sua casa de São Paulo e ao qual serviria uma brasileiríssima sopa de mandioquinha.

O casamento com Fernando Henrique Cardoso (1953), ocorreu um ano depois de formada (1952) pela faculdade de filosofia da Universidade de São Paulo-USP. Foi também na USP que conheceu o futuro marido, então aluno do curso de Ciências Sociais. Juntos, tiveram três filhos e mais tarde cinco netos/as.

Enfrentou com coragem e determinação o período da ditadura militar e o exílio político do marido, que a levou ao Chile, onde atuou como professora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais- Flacso/Unesco junto a alunos/as de diferentes países. De lá seguiram para a França e no retorno ao Brasil fundaram o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), marco da pesquisa social no país.

Doutora em antropologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – FFLCH/USP, desenvolveu atividades de docência e pesquisa na USP, bem como, em diversas instituições de ensino estrangeiras, como Universidade do Chile (Santiago do Chile), Maison des Sciences de L´Homme (Paris), Universidade de Berkeley (Califórnia) e Universidade de Columbia (Nova Iorque).

No currículo que construiu como resultado do envolvimento com a causa feminina consta sua participação na luta pela democracia e direitos das mulheres, tendo sido uma das fundadoras da Frente de Mulheres Feministas de São Paulo, em 1978, ao lado de Eva Blay, Maria Carneiro da Cunha, Carmen Barroso, Elza Berquó, Heleieth Saffioti, Fúlvia Rosemberg, Leilah Assunção, Marta Suplicy, Silvia Pimentel e muitas outras.

Participou também do grupo que elaborou a proposta de criação do primeiro mecanismo de políticas para as mulheres na estrutura do estado, durante o governo Montoro, em 1983, que resultou na criação do Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo.

Estimulada pela militante feminista, atriz e ex-deputada Ruth Escobar integrou o grupo de fundadoras do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, órgão do Ministério da Justiça. Em seu mandato, no período 1986/1988, dentre outras ações, foi autora de um parecer bem sucedido, que aconselhou ao então presidente Sarney, o veto a um projeto de lei que criaria o Conselho Nacional de Política Populacional e que, temia-se, poderia converter-se em instrumento oficial de controle da natalidade. Ruth esteve a frente ainda, da criação do Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero, na USP.

Sua personalidade e comprometimento a fizeram respeitada, inclusive, por adversários políticos do marido, que a ela creditavam inovação na implantação de políticas sociais no país. Ruth Cardoso, que relutou constantemente em aceitar a denominação de primeira dama, jamais foi uma simples sombra do presidente. Pelo contrário, possuía luz e iniciativas próprias e, em várias ocasiões foi reconhecida publicamente, pelo marido, Fernando Henrique Cardoso, como sua principal conselheira.

 

 

Luiza Bairros (1953 – )

Luiza Helena de Bairros nasceu a 27 de março de 1953 em Porto Alegre (RS). Filha do militar Carlos Silveira de Bairros e da dona de casa Celina Maria de Bairros. Sempre foi estimulada pelos pais quanto a sua formação. Não causou estranheza a seus familiares quando começou a envolver-se com as questões raciais, pois no período de colégio sempre fazia parte de grêmios e na universidade pertencia a diretórios acadêmicos, demonstrando um forte interesse pela militância estudantil. E foi na universidade, a partir de um amigo participante do diretório acadêmico, que teve seu primeiro contato com informações sobre os movimentos sociais americanos e ao conhecer o material dos Panteras Negras, ficou ainda mais entusiasmada com o caminho que estava traçando para sua luta política.

 

No início de 1979, participa da Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, ocorrida em Fortaleza. Foi impactada pela presença de inúmeros integrantes do Movimento Negro de várias regiões brasileiras, quando trava um contato mais próximo com o pessoal do Movimento Negro Unificado da Bahia e resolve muda-se para Salvador, no mês de agosto do mesmo ano.

 

Bacharel em Administração Pública e Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul com conclusão em 1975; Especialista em Planejamento Regional pela Universidade Federal do Ceará concluindo em 1979; Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutora em Sociologia pela Michigan State University no ano de 1997.

 

Com toda esta qualificação trabalhou entre 2001 a 2003 no programa das nações Unidas para o Desenvolvimento/PNUD na coordenação de ações interagenciais e de projetos no processo de preparação e acompanhamento da III Conferência Mundial Contra o Racismo – relação Agências Internacionais/Governo/Sociedade Civil. Entre 2003 a 2005 trabalhou no Ministério do Governo Britânico para o Desenvolvimento Internacional – DFID, na pré-implementação do Programa de Combate ao Racismo Institucional para os Estados de Pernambuco e Bahia. Entre 2005 a 2007 foi consultora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, para questões de gênero e raça como coordenadora do programa de combate ao Racismo Institucional – PCRI na Prefeitura da Cidade do Recife, Prefeitura Municipal de Salvador e Ministério Público de Pernambuco.

 

Entre 1976 e início da década de 1990 esteve envolvida em pesquisas relevantes para o conhecimento e combate do racismo no Brasil e nas Américas, como por exemplo sua participação na coordenação da pesquisa do Projeto Raça e Democracia nas Américas: Brasil e Estados Unidos. Uma cooperação entre CRH e a National Conference of Black Political Scientists/NCOBPS.

 

Enquanto docente trabalhou na Universidade Católica de Salvador, Universidade Federal da Bahia/UFBA, dentre outras. Foi organizadora de alguns livros memoráveis e autora de vários artigos e dossiês. Coordenou diversos eventos na área do combate a discriminação racial.

Dona de uma trajetória respeitável, Luiza é reconhecida como uma das principais lideranças do movimento negro no País. Faz parte dos grupos de estudiosas/os e ativistas que contribuem e lutam para a superação do racismo e sexismo e esteve nas últimas décadas à frente de inúmeras iniciativas de afirmação da identidade negra na sociedade brasileira.

 

Pesquisadora na área de políticas públicas para população afro descendente, sempre trabalhou em prol da redefinição de novos caminhos para as mulheres negras, apresentando e sugerindo propostas em políticas voltadas para a igualdade racial e de gênero. Coroando esta trajetória no dia 8 de agosto de 2008 tomou posse como titular da Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial da Bahia – Sepromi.

 

 

Mãe Nitinha de Oxum (1933 – 2008)

Areonithe Conceição Chagas, nasceu na Bahia é um dos mais tradicionais nomes do candomblé brasileiro. Filha de mãe de santo, Mãe Nitinha, “fez o santo” aos três anos de idade.
No tradicional terreiro da Casa Branca, onde nasceu, Mãe Nitinha, professora primária e parteira da comunidade, acabou por tornar-se segunda mulher na escala hierárquica religiosa, onde ocupava o cargo de ialorixá -, sacerdote chefe de um terreiro, responsável pela distribuição das diferentes funções praticadas durante um culto religioso. Há muitos anos dividia-se entre Salvador e o bairro de Miguel Couto, no Rio de Janeiro, onde respondia por um terreiro.
Em 2005 foi escolhida pelo governo brasileiro, como representante do candomblé, na comitiva multirreligiosa que participou, em Roma, das cerimônias funerais do Papa João Paulo II. Contudo, não conseguiu embarcar. Perdeu o vôo por haver chegada atrasada ao aeroporto.
Nitinha, que se casou aos 14 anos, conseguiu que a família – composta pelos filhos naturais e de criação, além de 12 netos – aprendesse a compartilhá-la com os fiéis que tanto a respeitavam.
Em 2000, reconhecida a aposentadoria aos pais e mães-de-santo, Mãe Nitinha tornou-se a primeira a beneficiar-se com a medida. Morreu em 04 de fevereiro de 2008, quando foi enterrada com as vestes brancas e douradas de Oxum, seu orixá no candomblé.

 

Vanda Maria Menezes Barbosa (1960 – )

Vanda Menezes, como é conhecida, natural de Maceió foi a única mulher entre os cinco filhos de dona Maria Augusta Menezes Barbosa e Martiniano Barbosa dos Santos, filho de escravo alforriado. Vanda cursava a terceira série do então curso primário, quando por sugestão de sua professora de matemática Teresa Lima, sua mãe a matriculou no exame de admissão tendo ingressado no curso ginasial. Em 1978 entrou para a Faculdade de Psicologia e dois anos após, 1980, mediante concurso público assume o cargo de agente policial, permanecendo por oito anos atuando no Presídio Feminino da Capital alagoana. Nesse período, destaca-se por haver desenvolvido a política de discutir com as detentas, dentre outros, temas relativos à cidadania, direitos das mulheres e questões raciais. A acusação de racismo feita por uma das presas à diretora na época foi a gota d água para que fosse afastada, acusada de insuflar as presidiárias. Conseguiu, então, transferência para a Delegacia de menores onde atuou como psicóloga e participou da implantação do ECA – Estatuto da Criança e Adolescente.
Em 1979 participou da criação da Associação Cultural Zumbi, primeira entidade negra do estado de Alagoas. A paixão pelo feminismo teve início durante os quatro anos em que militou no Movimento negro, ocasião em que eleita Secretária da União Brasileira de Mulheres, leva para a entidade a primeira representação negra. Em 1984, atendendo solicitação de companheiras atuantes em outros segmentos, integra o grupo de mulheres que encabeçou a discussão sobre o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher (Cedim), atuando como conselheira e representante das mulheres negras, na segunda gestão iniciada em 1989.
No ano de 1992, Vanda participa da criação do Fórum de Entidades Autônomas de Mulheres de Alagoas que, em 1994, passa a representar junto à Articulação de Mulheres Brasileiras, responsável pelo acompanhamento do processo preparatório para a IV Conferência Mundial sobre a Mulher/Beijing 95.
Militante também na área sindical, sua atuação a encaminhou, em 1993, através de voto, ao cargo de vice-presidenta do Sindicato da Polícia Civil de Alagoas, entidade que assumiu, como presidenta por nove meses, no ano seguinte. Era um período turbulento e a greve da categoria, graças à habilidade de Vanda- primeira mulher negra a dirigir um sindicato da categoria no país-, e sua articulação com a polícia militar e federal, trouxe frutos positivos às reivindicações.
Convidada para coordenar o Primeiro Comitê de Saúde da Mulher, em 2000, da Secretaria Municipal de Saúde de Maceió, implantou o Paism no município que garantia a saúde da mulher, criança, adolescente, idosa, pré-natal e controle social através do Comitê de Mortalidade Materna. Na Presidência do Conselho Municipal da Condição Feminina, que assumiu em 2002, permaneceu apenas por seis meses, quando por convite do governador inaugura a Secretaria da Mulher do Estado de Alagoas, onde permaneceu até o fim do governo em dezembro de 2006.
Com atuação na área de políticas públicas para as mulheres, reconhecida nacionalmente, Vanda hoje é consultora especializada em relações étnico/raciais e de gênero, onde desenvolve capacitações em várias temáticas, especialmente para mulheres quilombolas, órgãos governamentais e lideranças políticas e dos movimentos de mulheres.
 

 

Procópia dos Santos Rosa ( 1933 – )

Como os/as demais remanescentes Kalunga, mãe Procópia, como é carinhosamente tratada pela comunidade, apenas ao final da década de 1980 teve permissão das autoridades, para se locomover para rios e serras que demarcam os limites da comunidade em Montes Claros, no estado de Goiás. Iniciava-se ali uma longa, árdua e constante batalha – sempre com o apoio do marido Salú, dos filhos/as, netos/a e bisnetos/as-, até hoje travada em defesa da cultura e da regularização das terras Kalungas.
Sua liderança é reconhecida por todos/as e resultado da mobilização comunitária que promove entre os/as remanescentes do quilombo. A grande preocupação de mãe Procópia, em relação ao futuro das crianças e jovens quilombolas, muitos dos quais, como parteira ajudou a trazer ao mundo, fez com que essa mulher, analfabeta, conseguisse das autoridades a instalação de uma escola na comunidade. Também esteve à frente do processo que embargou a construção da hidrelétrica Foz do Bezerra, no rio Paranã e que iria alagar toda a região.
Em 2005, Procópia foi uma das 52 brasileiras indicadas ao Prêmio Nobel da Paz, escolhidas por um comitê internacional, com sede na Suíça, composto por organizações não-governamentais feministas e de direitos humanos, para integrar o Projeto Mil Mulheres, apresentado à Organização das Nações Unidas (ONU).