Na religiosidade
Diversamente do que ocorre em outras crenças, nas religiões de matriz africana enraizadas no Brasil, as mulheres puderam ocupar as mais importantes posições hierárquicas. Essa liderança e a marcante presença feminina nos terreiros têm sido bastante estudadas, sendo que as conclusões e implicações dessas reflexões apontam, sobretudo, para sua vital influência no sentido das permanências e adaptações dos elementos sagrados e culturais da população negra do país. Pode-se dizer, sem exagero, que os símbolos de africanidade que se espraiaram por toda sociedade brasileira foram sustentados, em grande parte, pela iniciativa e determinação dessas mulheres em seus espaços religiosos. Os lundus, umbigadas, jongos, sambas, maracatus, afoxés, cirandas, congadas e outras expressões coletivas, em geral tiveram uma mãe-de-santo como ponto de referência e união.
A historiografia brasileira registrou, mesmo que precariamente, alguns nomes e marcos ligados ao funcionamento dos diversos espaços litúrgicos das chamadas nações. Sabe-se que tanto os quilombos quanto as irmandades religiosas instituídas pela Igreja, oficialmente liberadas e estimuladas entre a população negra, foram focos de resistência e manutenção das diferentes tradições africanas, cujas celebrações eram, até o século XIX, genericamente chamadas de batuques. Os registros documentais, assim como as fontes orais dos diversos terreiros, atestam uma mudança significativa de posicionamento religioso com a chegada de um contingente maior de povos sudaneses, em fins do século XVIII e começo do século XIX. Os estados da Bahia, Maranhão, Pernambuco e Rio de Janeiro representaram os solos mais férteis para o florescimento dos ritos africanos no país.
As Sacerdotisas negras
Embora haja controvérsias quanto aos nomes das mães-de-santo e alguns outros dados, conta-se que, nas primeiras décadas oitocentistas, em Salvador, mulheres africanas lideradas por Iyá Nassô, sacerdotisas provenientes de linhagens nobres de Oyó e Keto, falantes do iorubá, devotas dos orixás e freqüentadoras da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, instalada na igreja da Barroquinha, fundaram aquele que viria a ser considerado o primeiro templo de candomblé nagô a funcionar regularmente no Brasil: o Ilê Iyá Omin Axé Airá Intilé, posteriormente chamado Ilê Axé Iyá Nassô Oká ou Casa Branca do Engenho Velho. Marcelina da Silva, também conhecida como Obatossí, natural da Bahia, sucessora dessas ialorixás, foi a principal responsável pela estruturação definitiva do terreiro, seguindo à frente dos ritos até seu falecimento, em 1885.
A Casa Branca foi o berço de dois dos mais representativos núcleos de religiosidade africana no Brasil, o Ilê Iyá Omin Axé Iyamassé, conhecido como Terreiro do Gantois, fundado por Maria Julia da Conceição Nazaré; e o Ilê Axé Opô Afonjá, fundado por Eugênia Ana dos Santos.
Segundo relatos, ainda na Bahia dos anos oitocentos, consolidaram-se outros terreiros históricos. O Ilê Maroiá Láji, conhecido como Terreiro do Alakêto, fundado por Maria do Rosário Regis, cujo nome africano era Otampé Ojaro. O Asé Yangba Oloroke ti Efon, fundado por Maria Bernarda da Paixão. O Terreiro Unzó Tumbesi, considerada a casa de Angola mais antiga da Bahia, fundado por Maria Genoveva do Bonfim, conhecida como Maria Neném – Mametu Tuenda Nzambi. O Kwe Ceja Hundê, ou Roça do Ventura, em Cachoeira de São Félix, fundado por Ludovina Pessoa, que também esteve à frente do Zoogodô Bogum Malê Rundô, considerado uma das principais referências das tradições jeje da Bahia. Valentina de Sogbo Adaen sucedeu Ludovina, permanecendo na liderança do Bogum até a década de 1920, época em que veio a falecer.
Outro importante registro obtido através de fontes orais narra a instalação do Querebentam de Zomadônu, ou Casa das Minas Jeje, na década de 1840, em São Luís. Foi fundado por Mãe Maria Jesuína, a qual foi sucedida por Mãe Luiza e depois por Mãe Hozana, que antecedeu a lendária Mãe Andresa. Maria Jesuína também teria participado, no mesmo período, da fundação da Casa de Nagô, outro terreiro referencial do Maranhão. Em 1952, Pierre Verger levantou a hipótese de que a Casa das Minas teria sido fundada pela rainha Na Agontimé, viúva do rei Agonglô e mãe do rei Ghezo, sendo ela, portanto a responsável pela introdução do culto aos voduns da família real do Daomé em São Luis.
Diz-se que, por volta de 1867, a iorubana Batayọ, ou Maria Batayo, fundou seu terreiro no morro de São Carlos, no Rio de Janeiro, onde viveu até 1926. Faleceu aos 129 anos de idade, deixando incontáveis filhos e filhas-de-santo que viriam a instalar outras roças no estado. Ainda no século XIX, a ialorixá Maria Joaquina da Costa, ou Ta’ Joaquina, iniciou seus ritos jeje-nagô na cidade de Laranjeiras, no Sergipe. Protagonizou um fato raro na história da religiosidade africana no país, pois, numa época de perseguições intensas, conseguiu fundar oficialmente, em 1909, juntamente com outras cinco mulheres e dois homens, a Sociedade de Culto Afro-Brasileiro Filhos de Obá, da qual foi a primeira presidente.
Nas artes
Um dos mais antigos elencos profissionais brasileiros de que se tem notícia foi criado durante o mandato do vice-rei Luís de Vasconcelos, entre 1779 a 1790, no Rio de Janeiro. O grupo era formado por cantores, dançarinos e comediantes, e entre esses artistas estava Joaquina Maria da Conceição Lapa, mais conhecida como Lapinha, uma cantora contralto carioca que, após ser aclamada no Brasil, consagrou-se em importantes palcos da corte portuguesa, nos anos de 1794 e 1795. Em São Luís do Maranhão, no ano de 1859, a professora Maria Firmina dos Reis publicou o romance abolicionista Úrsula, sendo considerada a primeira romancista brasileira. A cantora e atriz Plácida dos Santos é tida como a pioneira na introdução de lundus, modinhas e maxixes nos palcos franceses. Em 1889 embarcou para Paris, onde passou 11 anos encantando as mais exigentes platéias da Europa.
Na segunda metade da década de 1920 surgiram marcos historicamente significativos para a afirmação do chamado teatro negro no país. Embora tenham sobrevivido somente por alguns anos, três companhias formaram-se, compostas exclusivamente por artistas afro-descendentes. As duas primeiras, Companhia Negra de Revista e Bataclan Preta, foram co-fundadas no Rio de Janeiro, pelo compositor De Chocolat; a terceira, Companhia Mulata Brasileira, foi criada em São Paulo, na mesma época. Rosa Negra, Djanira Flora, a barbadiana Miss Mons, Albertina da Rocha Viana, conhecida como Jandira Aimoré e Dalva Espíndola foram grandes estrelas da Cia. Negra de Revista.
Na Política
A constituição brasileira de 1824, outorgada por decreto imperial, não garantia aos escravizados a condição de sujeitos de direitos. Da mesma forma a Carta Magna republicana, escrita em 1891, dois anos após a abolição da escravatura, manteve o sufrágio como um direito de poucos. Só podiam votar maiores de 21 anos com diploma universitário e estavam explicitamente impedidos os homens livres pobres, mendigos, analfabetos, soldados e religiosos pertencentes a ordens monásticas. A exclusão do segmento feminino e dos negros, embora não declarada na lei, permaneceu de fato, a partir do entendimento tácito de que o mundo da política não era “lugar de mulher” e porque os requisitos de cidadania e renda dos eleitores acabavam por deixar de fora uma parcela considerável da população.
O inconformismo de algumas mulheres, diante do cerceamento de seus direitos, já vinha sendo manifestado através da imprensa feminista nascida no Império. Na segunda década do século XX, as idéias sufragistas já encontravam receptividade nos meios urbanos, onde estavam presentes correntes de opinião mais abertas à inclusão não somente das mulheres, mas de outros grupos, visivelmente alijados da participação política.
A Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF), organização apartidária, liderada por Bertha Lutz, se tornou a entidade mais aguerrida na luta pelo sufrágio no Brasil, priorizando estratégias voltadas para a imprensa e casas legislativas.
Quando Getúlio Vargas assumiu o poder, a cúpula da FBPF buscou espaço político junto ao seu governo. Em 1931, organizou no Rio de Janeiro o Segundo Congresso Internacional Feminista, cujas conclusões foram encaminhadas ao presidente da República, que assumiu o compromisso de atender a reivindicação das mulheres. Essa promessa foi concretizada em 24 de fevereiro de 1932, com a publicação do novo Código Eleitoral, decreto 21.076.
A Federação, nessa época, mantinha filial em vários estados brasileiros e contava com expressivas lideranças locais. No núcleo central, sediado no Rio de Janeiro, o grupo abrigava nomes e trajetórias nacionalmente reconhecidas. Entre elas, destacavam-se duas afro-descendentes cuja atuação muito contribuiu para a emancipação das mulheres: Almerinda Farias Gama e Maria Rita Soares de Andrade, esta secretária e consultora jurídica da organização durante muitos anos.
As primeiras eleições após a conquista do voto feminino foram para a Assembléia Nacional Constituinte de 1933. Visando dar apoio específico às mulheres na nova condição de cidadania, a Federação Brasileira para o Progresso Feminino criou a Liga Eleitoral Independente do Distrito Federal, proposta essa seguida pelos núcleos estaduais. Intensificou também suas articulações políticas com outros setores estimulando, por exemplo, a formação de associações profissionais de mulheres com o objetivo de conquistar um espaço para o segmento feminino na elaboração da nova Constituinte. E assim entra em cena a datilógrafa negra, alagoana, Almerinda Farias Gama, militante da FBPF e profissional consciente da discriminação sofrida pelas mulheres, especialmente no mundo do trabalho. Numa estratégia bem sucedida, Almerinda, Bertha Lutz e outras criaram o Sindicato das Datilógrafas e Taquigrafas do Distrito Federal, uma categoria que, embora inexperiente no campo da política, era numerosa o suficiente para intervir no processo constituinte. E assim aconteceu.
Almerinda Farias Gama foi indicada, na qualidade de Presidente do Sindicato das Datilógrafas e Taquigrafas do Distrito Federal, para ser delegada eleitora, compondo o grupo que escolheria a representação classista dos trabalhadores na Assembléia Nacional Constituinte. Este fato teve grande repercussão na imprensa, ficando famosa a imagem da única mulher a colocar seu voto na urna no dia desta eleição, 20 de julho de 1933.
No sul do país, Antonieta de Barros, rompeu muitas barreiras circunscritas aos preconceitos de sexo e raça. Filha de uma lavadeira e de um jardineiro, Maria da Ilha, como ficara conhecida, nasceu em 1901 em Florianópolis. Com apenas 21 anos fundou o jornal A Semana, ficando responsável pelo mesmo até 1927. Integrante da Frente Negra Brasileira e militante da FBPF, a jornalista, professora de português e psicologia, filiou-se ao Partido Liberal Catarinense e conquistou uma vaga de deputada estadual em 1934. Desse modo, tornou-se a primeira negra a assumir um mandato popular no Brasil. Dona de uma carreira política voltada para o engrandecimento da Pátria através da educação e pela valorização da comunidade negra, Antonieta retorna à Assembléia Legislativa de Santa Catarina em 1947, mantendo o pioneirismo de ser, até essa data, a única afro-descendente com cargo eletivo no país.
Nos esportes
Nas últimas Olimpíadas em Atenas, o Brasil foi representado por 122 mulheres, num total de 247 atletas. Dos espaços comumente reservados ao feminino pela sociedade até os pódios olímpicos há um longo e peculiar trajeto. Para as afro-descendentes, esse percurso teve inicio em 1948, nos jogos de Londres, com a velocista Melania Luz, primeira atleta negra do Brasil a participar de Olimpíadas. Recordista brasileira e sul-americana dos 100 e 200 metros foi também a primeira mulher a pertencer ao quadro de atletismo do São Paulo Futebol Clube.
Nas Olimpíadas seguintes, realizadas em Helsinque, em 1952, as paulistas Deise Jurdelino de Castro e Wanda dos Santos foram duas das cinco mulheres que integraram a delegação brasileira. Ambas bateram recordes sul e pan-americanos na década de 1950. Contam que, na Finlândia, “as simpáticas atletas anfitriãs não resistiram a passar os dedos na nossa pele, pois lá só se viam negros no cinema”. Essas ágeis velocistas correram e saltaram com maestria para inscrever seus nomes na história do esporte nacional. Wanda dos Santos, considerada uma das maiores atletas brasileiras de todos os tempos, foi também a única mulher a representar o Brasil nas Olimpíadas de 1960, em Roma.
Em Tóquio, quatro anos depois, a niteroiense Aída dos Santos conseguiu a quarta colocação na prova de salto em altura, marca que durante 32 anos garantiu a essa atleta o lugar de detentora do melhor resultado feminino alcançado pelo Brasil em Olimpíadas. Faz-se importante registrar que o feito ainda não foi superado por outra brasileira em competições olímpicas individuais. Única mulher a integrar a delegação de 1964, conquistou a marca com muito esforço, pois mesmo contundida não contou com o mínimo apoio dos dirigentes e companheiros brasileiros. Aída dos Santos também participou dos Jogos Olímpicos de 1968, no México.
Rompendo padrões
Quem já ouviu falar de Narcisa Ribeiro, cativa de um sacristão de Vila Rica, Minas Gerais, que foi submetida a uma devassa pública, em 1748, pela audácia de andar “bem tratada, com saias de camelão e chinelos como se fosse senhora”? Ou de Rita de Souza Lobo, que, décadas depois, na mesma região, descobriu uma mina de ouro na qual garimpou sua liberdade?
Ainda no período aurífero, os documentos registram a figura mítica da forra Mariana Baptista de Paracatu, que ousou oferecer à rainha dona Maria I um cacho de bananas fundido em ouro em troca de um título de nobreza. Seu poder era tanto naquelas paragens mineiras que o vigário só começava a missa após sua chegada. Poucos conhecem a história da comerciante negra Luciana Teixeira, que, no começo do século XIX, fundou a cidade de Araçuaí, às margens do rio Jequitinhonha, em Minas Gerais. Ainda menos se sabe sobre a vida da lendária doceira Benta Maria da Conceição Torres, Nhá Benta, que criou a receita de um tipo especial de bolinhos feito com ovos e açúcar, os quais imortalizaram seu nome como parte da culinária típica brasileira.
Tia Maria é outra que também fez comidas e história. Integrava o grupo de mulheres, denominadas vivandeiras, que acompanhou a Coluna Prestes na marcha que, entre os anos de 1925 e 1927, percorreu cerca de 24 mil quilômetros pelo interior do Brasil. Antes de ser degolada pela polícia paraibana, Tia Maria teve de cavar sua própria sepultura.
Nos apontamentos históricos das diferentes formações acadêmicas, a medicina, por exemplo, ainda não revelou os méritos das suas primeiras profissionais negras. Duas pioneiras dessa área foram provavelmente Olga da Conceição, formada pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1931, e Lucinda Romano, graduada no ano seguinte na Escola de Medicina da Universidade de São Paulo.
Sabina das Laranjas
Descendente de escravizados, possivelmente liberta, Sabina foi vendedora de laranjas em frente à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Segundo os jornais, na manhã de 25 de julho de 1889 foi impedida por um delegado de manter seu posto naquele local. Os estudantes então protestaram contra a decisão com uma passeata, a “procissão das laranjas”. A repercussão na imprensa foi estrondosa, durante dias o fato ocupou as páginas dos jornais, e a ordem do delegado teve de ser revogada.
Sabina tornou-se uma figura legendária, e sua morte, no mesmo ano, chegou a ser anunciada na Gazeta de Notícias e no Brazil Médico, importante periódico da área. A memória da vendedora foi imortalizada em um tango composto por Artur Azevedo, cantado na peça teatral A República, que a cada noite atraía centenas de pessoas ciosas de verem Sabina “interpretada” no palco. Os versos de “As laranjas de Sabina”, uma das primeiras músicas gravadas no Brasil, tornaram-se grande sucesso na capital federal: “Sou a Sabina, sou encontrada todos os dias lá na calçada da Academia de Medicina”. Em 1915, Sabina voltava ao palco com peça homônima assinada por J. Brito. Sua visibilidade se estendeu até a década de 1920, em várias homenagens carnavalescas. O mais curioso dessa história é que a vendedora impedida de comercializar não era Sabina – já morta àquela época – mas sim Geralda.
Paula “Baiana”
Quitandeira, Paula veio da Bahia para o Rio de Janeiro em 1895, e nessa cidade conquistou a simpatia do Corpo de Infantaria da Marinha com seu tabuleiro repleto de guloseimas, como bolinhos de tapioca, pés-de-moleque, cuscuz, laranjas e bananas, do qual tirava o sustento e o dinheiro para pagar o aluguel de sua modesta casa no subúrbio carioca de Rocha Miranda.
Com o passar do tempo, Paula recebeu autorização para montar sua própria cantina no pátio dos fuzileiros, localizado na ilha das Cobras. Todos os soldados recorriam ao “Mafuá da baiana” para “matar a fome”, e assim a quituteira foi se tornando uma figura cada vez mais conhecida e respeitada. Como uma verdadeira madrinha, a “Baiana” chamava a atenção em datas cívicas como o 7 de setembro e o 15 de novembro, quando, nos anos 1920, desfilava – ao lado da tropa – com saia branca engomada, dólmã vermelho de botões dourados e uma enorme cesta de vime equilibrada à cabeça.
Chamada pelos soldados de “Fuzileira Honorária”, Paula abriu caminhos para que as mulheres, anos mais tarde, passassem a integrar a Marinha. Foi também a responsável por iniciar uma tradição ainda viva na fortaleza da ilha das Cobras, a das lavadeiras da Cova da Onça, pois Paula também dedicava seu tempo a essa atividade. Paula Baiana faleceu no dia 20 de abril de 1935, tendo sido homenageada pelo Batalhão Naval, que cruzou os fuzis cobertos de flores brancas e vermelhas sobre sua sepultura.
Barbadianas
Das experiências femininas da diáspora, é muito mais comum falar das africanas. A presença de outras importantes figuras femininas na geografia migrante do período pós-Abolição, como ocorreu com as que vieram para a região Norte do Brasil nos primeiros anos do século XX, merece ser melhor estudada. Em meio aos vários cenários montados e desmontados na floresta durante a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, formou-se um verdadeiro exército proletário, agregando mais de 30 nacionalidades de trabalhadores dos quatro cantos do mundo. Entre os últimos anos do século XIX e 1912, chegaram aproximadamente 20 mil estrangeiros. Ainda que minoria entre esses contingentes, as mulheres também participaram desse movimento imigratório.
Provenientes de lugares como Jamaica, Guianas, São Vicente, Granada ou Santa Lúcia, e a maior parte de Barbados, os trabalhadores antilhanos – mulheres e homens – destacaram-se em número e deram contorno a uma história singular na região. Acabaram denominados de barbadianos. Desembarcaram em Porto Velho em número cada vez maior a partir de 1908. Em 1909, já havia referências de um bairro na periferia de Porto Velho com o nome de “Barbados Town”. Os números indicam que aproximadamente 2.200 antilhanos foram enviados para a construção da ferrovia.
O cotidiano de trabalho foi de desafios e sofrimentos. Os rigores do tempo e da floresta eram companheiros diários, a malária, as febres e os temores de ataques indígenas sempre estavam por perto. As trabalhadoras adaptaram-se, fosse construindo casas de madeira à moda caribenha, fosse imprimindo a marca da sua culinária com o coo-coo, um típico prato do Caribe, espécie de polenta com quiabo. Não havia segregação deliberada nos bairros operários em torno da ferrovia, mas, de maneira geral, os barbadianos preferiam casar com mulheres de sua própria origem. A base da mão-de-obra antilhana era masculina, mas, depois de 1911, chegaria um maior número de mulheres antilhanas, invariavelmente empregadas no hospital e na lavanderia da construtora. Certamente que as experiências das barbadianas e de suas descendentes foram mais complexas e ainda aguardam estudos e pesquisas mais detalhadas.
Síntese elaborada por Érico Vital Brazil, a partir de informações contidas no Livro Mulheres Negras do Brasil. Março 2008.