- Volume 2
- Século: XX
- Estado: PE
- Etnia: Negra
- Atividade: Ativista da cultura negra, artista plástica, poeta, dançarina e coreógrafa
Descrição:
RAQUEL SOLANO TRINDADE (1936-)
Ativista da cultura negra, artista plástica, poeta, dançarina e coreógrafa
Raquel Trindade Souza, a Kambinda, filha mais velha do grande poeta negro Solano Trindade e Maria Margarida Trindade, coreógrafa e terapeuta ocupacional nasceu no Recife( PE). Sua mãe trabalhou por 25 anos com a psiquiatra Nize da Silveira ao transferir-se para o Rio de Janeiro.
Música, cultura e história correm por suas veias desde a infância. A avó materna Damázia Maria do Nascimento, cozinheira, dançava nos maracatus do Recife e Emerenciana, avó paterna, fazia lapinha, a casinha do presépio. Abílio Pompilho da Trindade, seu avô, sapateiro, era velho do pastoril e com ele Raquel ouviu muitas histórias que povoavam sua imaginação.
Seu pai, que em 1936 fundara o Centro Cultural Afro-Brasileiro e a Frente Negra Pernambucana, transfere-se para o Rio de Janeiro na década de 1940 onde, de cristão evangélico passa a militante comunista, filiando-se ao partido de Luiz Carlos Prestes. Em Caxias (RJ), município onde se instalou, montou a célula Tiradentes reunindo camponeses e operários.
Cansada de esperar que o marido enviasse dinheiro para a família vir encontrá-lo, apesar do receio do avô, na época corria a história que os alemães andavam afundando navios brasileiros, sua mãe rumou com as filhas Raquel e Godiva para o Rio de Janeiro. As meninas ficaram no navio e Maria Margarida saiu para procurar o marido. Sua única referência era o vermelhinho, um bar que reunia comunistas e onde Solano, seu pai, aparecia para conversar e vender quadros e poemas.
A família foi então morar no bairro da Gamboa, em um barraco que tinha o aluguel cotizado pelos amigos do pai. Com ele, a partir dos oito anos passou a freqüentar a Biblioteca Nacional, exposições de arte, Pinacoteca e Teatro Municipal. Conheceu também o balé-afro da Mercedes Batista e a orquestra afro-brasileira do Abigail Moura.
Seus pais ensinavam dança no Teatro Folclórico do Aroldo Costa e por intermédio deles conviveu com intelectuais da época, dentre eles, o artista plástico Aldemir Martins, a pintora Djanira, a atriz Ruth de Souza e Abdias Nascimento, criador do Teatro Experimental do Negro.
Com a mudança para o município de Duque de Caxias (RJ), Solano promoveu várias festas com Maracatu, Coco e Lundu danças ensinadas pela mãe. Também com os pais aprendeu que devia ter orgulho por ser negra e transitou entre o universo evangélico da mãe e as reuniões comunistas, coordenadas pelo pai. Envolvimento político que o levou, inclusive, por duas vezes à prisão, no período do Estado Novo. Anos mais tarde Raquel lembraria que, na estante de sua casa conviviam, lado a lado, na mesma prateleira, a bíblia da mãe e um exemplar de O Capital, de Marx, pertencente a seu pai.
Em 1950 seus pais e o sociólogo Édison Carneiro fundaram em Caxias o Teatro Popular Brasileiro (TPB) que, formado pela classe popular- donas de casa, operários (as), estudantes-, trabalhavam as origens de danças como maracatu, bumba-meu-boi e promovia, ainda, cursos de interpretação e dicção. As apresentações atraiam intelectuais, diplomatas e artistas.
Raquel que se casou oito vezes tem três filhos – o compositor Vitor da Trindade, a artista culinária Regina Célia e a escritora dançarina Dada- e netos. Lembra que um dos casamentos aconteceu após uma viagem do TPB a Europa. Ela perdeu a virgindade no navio, com um dos músicos da equipe do pai, que ao descobrir ficou uma fera. O pessoal então, com a ajuda do cônsul, organizou o casamento em Varsóvia, na Polônia. No retorno a Caxias era uma senhora casada e assim ficou por três anos.
Na ocasião dessa viagem Raquel cursava o segundo ano do Clássico em um colégio particular no bairro de Laranjeiras e no qual só pode matricular-se, com a ajuda do professor Mira, que pagava as mensalidades. Mira era negro e Raquel lembraria, anos mais tarde, que isso não era uma coisa tão comum naqueles tempos: um professor negro de história.
Raquel aprendeu com os pais que o estudo é um dos mais preciosos bens que alguém pode deixar aos filhos. Gostava de estudar e lamenta que atualmente as crianças saiam das escolas sem que dominem a leitura, a escrita e o cálculo. Aos 12 anos ganhou o Prêmio Euclides da Cunha de literatura juvenil, competição nacional, com uma redação sobre a violência presente nos gibis da época
Guarda saudades das professoras. Após a conclusão do curso primário cursou o ginásio no colégio Duque de Caxias e vivia com as mensalidades atrasadas. Estabelecimento particular- ela e sua colega Dagmar eram as únicas meninas negras do colégio. Na adolescência Kafka, Dostoievski e Graciliano Ramos, dentre outros, emprestados pela biblioteca do colégio, foram alguns de seus companheiros. Também a revista A Classe Operária a tirava do serviço de casa o que provocava reclamações da mãe. Raquel passava horas lendo.
Raquel Trindade é Fundadora do TPST (Teatro Popular Solano Trindade) e da Nação Kambinda de Maracatu, instalados na cidade paulista de Embu das Artes, para onde a família se mudou na década de 1960. Fundado em 1975 e administrado pela família o TPST faz parte da luta, para que a memória de Solano, o Poeta do Povo, falecido em 1974, permaneça viva.
O espaço que passou por sérias dificuldades financeiras foi reinaugurado em 13 de novembro de 2010. Das apresentações ocorridas no evento, que reuniu cerca de 700 pessoas, participaram também Vitor Trindade, neto do poeta, tocando solo, voz e violão, a partir de poemas do avô e Manuel Trindade, Bisneto, com sua banda Preto Soul. Maria Trindade, bisneta, com o percursionista Carlos Caçapava apresentou a cultura africana através dos tambores e Raquel empolgou o com suas danças e ritmos que resgatam a e a cultura popular brasileira.
Raquel sempre participou de Encontros e Conferências sobre a cultura negra, realiza cursos e oficinas livres por todo o país. Em 1988 foi convidada para lecionar aulas de folclore, teatro negro e sincretismo religioso na graduação da Unicamp, mesmo não tendo diploma universitário. Período, no qual enfrentou enorme resistência por parte de muitos dos(as) professores(as), após ter sido promovida pela universidade, de técnico didático a professora. Para Raquel, como conseqüência de sua mediunidade desenvolvida no candomblé, era como se uma enorme porta de vidro a impedisse de entrar na universidade para lecionar. Pressionada e com a descoberta de um câncer no intestino pediu demissão, retornando à Embu.
Na ocasião havia proposto um curso de extensão, no sentido de ampliar a reduzida presença negra na universidade. O sucesso da proposta, 170 alunos(as) inscritos, resultou na idéia de criar um grupo batizado de Urucungos, Puítas e Quinjengues, instrumentos bantos que foram trazidos pelos escravos para São Paulo. Composto por negros da comunidade, funcionários da Unicamp, alunos e professores, a maior parte das danças que o grupo apresenta foram pesquisadas e criadas por Raquel.
Valiosa fonte de conhecimento e vivência da cultura afro-brasileira, Raquel Trindade é uma de suas mais importantes Griot (guardiã do conhecimento). Sua atuação e testemunho têm sido de grande contribuição para o enfrentamento do preconceito contra o(a) negro(a), a mulher e o nordestino(a) na sociedade brasileira.